Carros elétricos: a verdade
Fernanda Rocha
| 24-09-2025

· Equipe de Veículos
Se você já olhou para a estimativa de autonomia de um veículo elétrico (EV) em um folheto brilhante e pensou: “Isso é otimista demais”, não está sozinho.
Muitos proprietários de EV descobrem rapidamente que os 480 ou 640 quilômetros anunciados podem parecer apenas 350 em um dia de inverno com vento forte e o aquecedor ligado.
A diferença entre as promessas testadas em laboratório e a realidade do dia a dia é uma das frustrações mais persistentes para motoristas de EV — e um dos maiores quebra-cabeças de engenharia para as montadoras.
Não se trata apenas de números em uma ficha técnica; é sobre confiança, conveniência e se os EVs podem realmente substituir os carros a combustão em viagens de longa distância. Então, o que causa essa diferença e o que está sendo feito para reduzi-la?
A ciência por trás dos “quilômetros de laboratório”
As montadoras não inventam esses números do nada — elas seguem ciclos de teste padronizados, como os da EPA nos Estados Unidos ou o WLTP na Europa. Esses testes envolvem padrões de condução controlados em dinamômetros (imagine esteiras gigantes para carros).
O detalhe é que esses testes assumem condições ideais — velocidades constantes, clima ameno, pouco uso de ar-condicionado ou aquecimento e nenhum peso extra. Na vida real, claro, é tudo mais complicado. Dirigir a 110 km/h na estrada, subir ladeiras ou ligar o ar-condicionado pode reduzir a autonomia em poucos minutos.
Segundo a Associação Americana de Automóveis (American Automobile Association-AAA), apenas o frio pode reduzir a autonomia de um EV em até 41%, enquanto dirigir em alta velocidade pode cortá-la em mais de 25%. o em um folheto brilhante, poderá realmente acreditar nele.
O maior inimigo da bateria
O ponto central está na química das baterias de íons de lítio. Elas funcionam melhor em uma faixa estreita de temperatura — geralmente entre 20 °C e 25 °C. Muito frio, e as reações químicas desaceleram; muito calor, e parte da energia é gasta no sistema de resfriamento para proteger a bateria.
Isso significa:
1. Condução no inverno: a energia é desviada para aquecer a cabine, drenando a bateria;
2. condução no verão: o sistema de resfriamento entra em ação, também consumindo energia;
3. altas velocidades: a resistência do ar aumenta exponencialmente, exigindo mais potência.
O resultado? Uma bateria capaz de 560 km em condições perfeitas de laboratório pode, na prática, entregar entre 400 e 450 km em cenários reais.
Soluções já em andamento
Felizmente, a indústria não está ignorando esse problema. Várias estratégias já estão aproximando a autonomia real da anunciada:
1. Sistemas de bomba de calor – em vez de aquecedores tradicionais resistivos, que consomem muita energia, as bombas de calor utilizam menos para aquecer a cabine. Os EVs mais recentes da Tesla, Hyundai e Kia já usam essa tecnologia para melhorar a autonomia no inverno;
2. gestão térmica mais inteligente – empresas como GM e BMW estão aperfeiçoando o resfriamento líquido e o controle térmico ativo para manter as baterias na faixa ideal de temperatura, faça chuva ou faça sol;
3. novas químicas de bateria – as baterias de estado sólido, ainda em desenvolvimento, prometem maior densidade de energia e melhor tolerância à temperatura.
A Toyota afirma que seus protótipos podem reduzir o tempo de recarga para 10 minutos e aumentar a autonomia em 20 a 30%;
4. otimização por software – algoritmos avançados de gestão de energia conseguem redirecionar a potência para onde ela é mais necessária e até sugerir ajustes de rota ou velocidade para preservar a autonomia. A Lucid Motors, por exemplo, usa softwares preditivos que consideram mudanças de elevação e estilo de condução.
A rede de carregamento como rede de segurança
Enquanto a tecnologia das baterias evolui, a infraestrutura de carregamento também ajuda a reduzir a ansiedade com a autonomia. Em 2024, os Estados Unidos já contavam com mais de 165 mil pontos públicos de recarga, e carregadores rápidos capazes de adicionar 320 km em 15 a 20 minutos estão se tornando comuns.
Isso não resolve totalmente a questão da autonomia, mas muda a conversa: em vez de precisar de 800 km por carga, os motoristas só precisam de locais consistentes e convenientes para recarregar.
O que esperar do futuro
Nos próximos dez anos, veremos uma “convergência” — quando a diferença entre autonomia de laboratório e autonomia real será de menos de 10%. A combinação de baterias melhores, softwares mais inteligentes e veículos mais eficientes (como designs aerodinâmicos otimizados) será o motor dessa mudança.
Isso significa que, no futuro, os compradores de EV não precisarão mais fazer contas mentais toda vez que ligarem o aquecedor. O número mostrado no painel estará muito mais próximo da realidade.
Vale a pena esperar?
Se você ainda não comprou um EV por medo da autonomia, talvez não precise adiar. Para a maioria dos motoristas, os modelos atuais já cobrem com folga as necessidades do dia a dia — especialmente se houver a opção de recarregar em casa.
Mas se o seu hábito de direção inclui longas viagens em condições extremas de clima, esperar alguns anos pode significar ter acesso a baterias muito mais avançadas, que se adaptem melhor ao seu estilo de vida. Talvez você já tenha sentido a frustração de ver a estimativa de autonomia derreter mais rápido que sorvete em agosto.
Ou talvez só esteja curioso se os EVs realmente conseguem “ir até o fim”. Seja qual for o caso, a diferença entre “quilômetros de laboratório” e “quilômetros reais” está diminuindo — e, no ritmo da inovação, da próxima vez que você olhar um número em um folheto brilhante, poderá realmente acreditar nele.