Carne vegetal faz bem mesmo?
João Cardoso
| 09-10-2025

· Equipe de Alimentação
A primeira vez que experimentei um hambúrguer à base de plantas, precisei conferir o rótulo duas vezes.
Chiava como carne de verdade, soltava um suco parecido com sangue e, para ser sincero, até enganou meu amigo carnívoro. “É mais saudável, né?”, ele perguntou, dando outra mordida.
Eu não tinha tanta certeza — mas balancei a cabeça afirmando mesmo assim. Isso foi há três anos. Hoje, produtos da Comida Impossível (Impossible Foods), Além da Carne (Beyond Meat) e outras marcas já estão em tudo, das redes de comida rápida (fast-food) às seções de congelados dos supermercados.
Viraram parte do dia a dia. Mas, em algum momento, surgiu uma nova questão — não mais “tem gosto de carne?”, mas “isso faz bem para mim mesmo?”
O que realmente tem na carne vegetal?
Vamos começar pelo básico. Não se trata apenas de vegetais amassados em forma de hambúrguer.
A maioria das carnes vegetais mais famosas é altamente processada, feita com ingredientes como:
• proteína isolada de soja ou de ervilha;
• óleos refinados de coco e girassol;
• metilcelulose (um agente ligante também usado em laxantes);
• aromas naturais, extratos de levedura e outros realçadores.
Isso não é, necessariamente, ruim. A ciência dos alimentos evoluiu muito, e a inovação permitiu que essas empresas imitassem a textura, o sabor e a suculência da carne sem usar produtos de origem animal. Mas também significa que são produtos ultraprocessados — assim como refrigerantes ou salgadinhos de pacote.
E aqui está o ponto: só porque algo é feito de plantas não quer dizer que seja automaticamente nutritivo.
O problema nutricional que quase ninguém comenta
Muita gente procura a carne vegetal acreditando ser uma “troca mais saudável”. Mas vamos ver o que isso realmente significa.
1. Teor de sódio: muitos hambúrgueres vegetais contêm de 300 a 500 mg de sódio por unidade. Isso chega a 20% da ingestão diária recomendada — antes mesmo de você acrescentar pão ou molhos;
2. teor de proteína: a boa notícia? Esses produtos costumam igualar a carne em proteína, oferecendo 18 a 20 gramas por porção. O lado ruim? Essa proteína vem de isolados, não de alimentos integrais, o que pode influenciar na forma como o corpo a absorve;
3. aditivos e óleos: para recriar a sensação da gordura animal, fabricantes costumam adicionar óleos refinados, que aumentam a quantidade de gordura saturada. Alguns produtos chegam a ter níveis semelhantes aos da carne que pretendem substituir;
4. fibras e micronutrientes: a não ser que sejam enriquecidas, essas carnes vegetais geralmente não oferecem nutrientes importantes de uma dieta variada baseada em alimentos integrais — como ferro em sua forma mais absorvível, vitamina B12 e zinco.
Em resumo: se a sua motivação for saúde, é preciso olhar além do ícone de planta no rótulo.
Mas não é melhor para o planeta?
Com certeza. Do ponto de vista ambiental, a carne vegetal é uma grande vitória.
Segundo um estudo de 2022 publicado na revista Alimentos Naturais, produzir alternativas vegetais à carne consome até 90% menos terra e água e emite de 30 a 90% menos gases de efeito estufa em comparação com a pecuária tradicional.
Isso é relevante, especialmente se lembrarmos que o setor de alimentos responde por mais de um quarto das emissões globais.
Se o seu objetivo é reduzir a pegada de carbono ou apoiar uma agricultura mais sustentável, esses produtos podem ser um bom caminho.
Mas aqui está a nuance: consumir plantas in natura — como leguminosas, grãos e vegetais — ainda gera menos impacto ambiental do que recorrer aos substitutos processados. Ou seja, as carnes vegetais são um passo na direção certa, mas não são o ponto final.
O que você deveria comer, então?
Se você sente que está dividido entre seus valores e suas metas de saúde, não está sozinho. Aqui vai uma forma prática de pensar sobre isso.
1. Use a carne vegetal como ferramenta de transição: se você está reduzindo produtos de origem animal, os “falsos” hambúrgueres podem ajudar na adaptação. Matam a vontade sem exigir uma mudança radical de estilo de vida;
2. não transforme em rotina diária: consuma como um agrado, de vez em quando, e de preferência acompanhado de alimentos de verdade, como vegetais assados ou grãos integrais;
3. olhe para o prato inteiro: um hambúrguer vegetal no pão branco com batata frita não se transforma magicamente em refeição saudável. Equilibre com fibras, cores e texturas;
4. vá além do hambúrguer: ensopados de lentilha, refogados de tofu ou wraps de grão-de-bico podem trazer proteína, fibras e sabor sem depender de processamento avançado;
5. leia o rótulo — leia de verdade: se você não reconhece a maioria dos ingredientes, já é um sinal. Prefira versões mais simples, com menos aditivos e óleos de melhor qualidade (como os de abacate ou de oliva).
De tendência a hábito de longo prazo
É fácil se deixar levar pela empolgação de uma novidade que parece resolver tudo de uma vez — saúde, ética e meio ambiente. Mas, como quase tudo na alimentação, a verdade está no meio-termo.
A carne vegetal não é um milagre. É uma alternativa inteligente, com respaldo científico, que tem seu espaço — especialmente para quem vem de uma dieta muito baseada em carne. Mas depender dela como fonte principal de nutrição ou assumir que é saudável só por ser vegetal?
Esse é o risco de se deixar levar mais pela embalagem do que pela essência.
Se você tem enchido o congelador acreditando estar fazendo a escolha mais saudável, talvez seja hora de repensar a pergunta. Não “isso é vegetal?”, mas “isso está realmente alimentando meu corpo e ajudando o planeta do jeito que espero?”.
Na próxima vez em que for ao mercado, olhe de novo. Muitas vezes, as mudanças mais poderosas não têm a ver com imitação — mas com redescobrir os ingredientes reais e integrais que já deixamos de lado há tanto tempo.